quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Contemplação


A sinfonia da natureza é uma sinfonia de conexões. Tocamos todos juntos, não importa o quão perto ou o quão longe no tecido do espaço-tempo. O conhecimento científico não é inerte e estéril, como várias pessoas podem pensar. Ele nos coloca em contato com nosso lugar no Universo. E então o lugar que ocupamos se mostra: é minúsculo, raro e extremamente belo. Somos uma espécie com um poder de percepção relativamente aguçado. Podemos experimentar, indagar, saborear as nuances de nosso cotidiano, desde a sensação gelada e doce de um sorvete de passas ao rum à sensação de perplexidade diante da vastidão das estrelas num céu de inverno. Estar vivo é estar desperto. A consciência deve ser reclamada como um direito inalienável a cada ser humano sobre a Terra. Se eu pudesse lhe dar um conselho, seria este: Não ceda. Não ceda às inúmeras distrações superficiais que lhe são oferecidas, diariamente, numa bandeja de prata. O ato da contemplação não precisa do tênis da moda, da tela LCD, de muitos amigos. Contemplar é um ato muitas vezes individual, de introspecção: um aprofundamento nas questões banalizadas pelo olhar cotidiano. Através deste ato podemos perceber questões profundas ao nosso ser, questões estas que podem nos afligir se não forem indagadas com serenidade. Contemplar exige serenidade. A contemplação não exige hora, nem lugar. Por exemplo, se você se encontrar em uma praia, à sombra de uma árvore, sentada na areia, como eu estava hoje. Você pode estar preocupada com o bronzeado, com a barriguinha de cerveja, com a areia que gruda, ou até mesmo com o final da novela. Você não está vivendo aquele momento, está fugindo dele. A maioria das pessoas passa suas vidas inteiras tentando abstrair do fato de que estão vivas, respirando, e de que sua passagem por esta existência é efêmera e fugaz. Tente pegar um momento de sua vida e analisar o que lhe cerca. A situação da praia foi um belo momento de contemplação. Primeiramente olhei para cima: vi as folhas do sombreiro, rijas, mas balançando ao vento. Observei suas nervuras, imaginei a seiva percorrendo cada pequeno filete daquela estrutura, partindo de sua raiz, escondida sob o solo arenoso, até o topo, longe da minha vista. Como aquela árvore consegue captar e distribuir a seiva tão eficientemente? Tornei minha observação novamente para as folhas, pensando nos cloroplastos que estavam, naquele exato momento, tornando possível o processo de tradução da luz do Sol em verde novo, em vida nova. Pensei nos estômatos, no processo de respiração daquela árvore. Naquele exato momento, muito perto de mim, ela estava liberando tanto gás carbônico quanto oxigênio. Eu estava respirando o oxigênio liberado por ela, e ela absorvendo o gás carbônico da minha respiração. Meu corpo estava captando, a partir dela, o elemento necessário ao meu processo de transformação da matéria orgânica em energia para continuar viva, e o elemento expelido neste processo estava sendo absorvido por ela para a realização de seu próprio sistema metabólico de produção de energia. Respirei fundo, estávamos conectadas. Olhei então para baixo: meus pés sentiram a areia. Cristais de quartzo, brilhantes, milenares, retrabalhados por inúmeros processos geológicos, transportados sabe-se lá de onde, quentinhos pela luz do sol, tocaram minha pele. Olhei então para as montanhas que delineavam a enseada onde eu me encontrava, e fenômenos geológicos ainda mais antigos tomaram conta da minha imaginação. Como aquela cadeia de montanhas se formou? Minha vida virou um piscar de olhos perante a vastidão daqueles processos. Minha atenção foi chamada então pelo barulho do vai-e-vem infinito das ondas: pensei em seu nascimento, no oceano aberto. A rotação da Terra e o aquecimento diferencial pelo Sol de pontos diferentes do planeta geram os ventos que, agindo na superfície do mar, vem a criar o trem de ondas que agora vejo terem sua energia dissipada na borda na grande bacia oceânica. O Sol. O Sol servindo de alimento ao sombreiro, esquentando a areia, iluminando o verde da cadeia de montanhas, gerando os ventos que geram as ondas. Penso então sobre o Sol, inundando tudo de vida e luz: o mar, com seus microorganismos assimilando sua energia e transformando toda a teia de vida que pulsa abaixo da superfície do oceano, numa miríade psicodélica de formas e cores. O Sol, uma estrela secundária, originária da explosão de uma estrela maior, cuja poeira veio a formar tudo o que posso observar naquele momento: minha pele, a atmosfera azul, as conchas, a areia, as árvores e as gaivotas. Todo e cada ser conectado. Cada átomo que meu olhar pode alcançar naquele momento pulsava, ligado a todos os outros, numa harmonia dinâmica e poética. Essa é a riqueza que ganhamos com a contemplação. Concentrar-se no que não estamos acostumados pode ser muito mais libertador do que previamente poderíamos esperar. Silenciar nossa mente para as pequenas futilidades do individual e abrir nossa mente para os processos poderosos, a torrente de informação dos processos naturais. A contemplação não exige um ambiente paradisíaco, como o citado acima. Meditar é um dos processos mais antigos do que chamo contemplação. Perceber o mundo não é necessariamente olhá-lo com olhos científicos, como mostrei acima. Muitas vezes perceber o mundo está em não focarmos em nada específico, ou apenas focarmos em nossa respiração. Afinal, cada processo e átomo estão conectados: somos fractais de energia, somos o Universo a se conhecer.

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