sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O Universo Dentro de Nós

We are in the universe and the universe is in us."

Neil deGrasse Tyson


Os Maias utilizavam uma frase de saudação peculiar, que exprime com maestria nossa conexão com o Universo: In Lack’ech (eu sou outro você), ao que se respondia Hala Ken (você é outro eu). Não existimos enquanto seres individuais: somos parte de um processo antiqüíssimo de evolução do Universo, desde a formação dos primeiros átomos de hidrogênio e hélio, 300.000 anos após o Big Bang. Surgiram então as galáxias, as estrelas e planetas. Em um planeta de um sistema solar periférico de uma galáxia espiral teve início outro processo de evolução: a evolução biológica. Cada um de nós representa uma linha direta dentro do processo de evolução do Cosmos. Qualquer pequena diferença em alguma variável, seja nas leis da física que regem o comportamento das partículas, seja no processo de seleção natural, poderia, potencialmente, formatar um Universo diferente, talvez sem galáxias, talvez sem humanos, sem nossos sistemas oculares que nos permitem ler este post, sem nossos sistemas neurais capazes de perceber o ambiente que nos rodeia e questionar. A presença das moléculas do nosso corpo, assim como as interações das mesmas, que nos permitem estar vivos, são um fruto direto da dinâmica do nascimento e da evolução do Cosmos. Quando, em noites estreladas, olho para o céu salpicado de luzes... do meu íntimo, sussurro para o Universo: “In Lack’ech”. E fico grata por ser, também, infinita.

*


*


*

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Contemplação


A sinfonia da natureza é uma sinfonia de conexões. Tocamos todos juntos, não importa o quão perto ou o quão longe no tecido do espaço-tempo. O conhecimento científico não é inerte e estéril, como várias pessoas podem pensar. Ele nos coloca em contato com nosso lugar no Universo. E então o lugar que ocupamos se mostra: é minúsculo, raro e extremamente belo. Somos uma espécie com um poder de percepção relativamente aguçado. Podemos experimentar, indagar, saborear as nuances de nosso cotidiano, desde a sensação gelada e doce de um sorvete de passas ao rum à sensação de perplexidade diante da vastidão das estrelas num céu de inverno. Estar vivo é estar desperto. A consciência deve ser reclamada como um direito inalienável a cada ser humano sobre a Terra. Se eu pudesse lhe dar um conselho, seria este: Não ceda. Não ceda às inúmeras distrações superficiais que lhe são oferecidas, diariamente, numa bandeja de prata. O ato da contemplação não precisa do tênis da moda, da tela LCD, de muitos amigos. Contemplar é um ato muitas vezes individual, de introspecção: um aprofundamento nas questões banalizadas pelo olhar cotidiano. Através deste ato podemos perceber questões profundas ao nosso ser, questões estas que podem nos afligir se não forem indagadas com serenidade. Contemplar exige serenidade. A contemplação não exige hora, nem lugar. Por exemplo, se você se encontrar em uma praia, à sombra de uma árvore, sentada na areia, como eu estava hoje. Você pode estar preocupada com o bronzeado, com a barriguinha de cerveja, com a areia que gruda, ou até mesmo com o final da novela. Você não está vivendo aquele momento, está fugindo dele. A maioria das pessoas passa suas vidas inteiras tentando abstrair do fato de que estão vivas, respirando, e de que sua passagem por esta existência é efêmera e fugaz. Tente pegar um momento de sua vida e analisar o que lhe cerca. A situação da praia foi um belo momento de contemplação. Primeiramente olhei para cima: vi as folhas do sombreiro, rijas, mas balançando ao vento. Observei suas nervuras, imaginei a seiva percorrendo cada pequeno filete daquela estrutura, partindo de sua raiz, escondida sob o solo arenoso, até o topo, longe da minha vista. Como aquela árvore consegue captar e distribuir a seiva tão eficientemente? Tornei minha observação novamente para as folhas, pensando nos cloroplastos que estavam, naquele exato momento, tornando possível o processo de tradução da luz do Sol em verde novo, em vida nova. Pensei nos estômatos, no processo de respiração daquela árvore. Naquele exato momento, muito perto de mim, ela estava liberando tanto gás carbônico quanto oxigênio. Eu estava respirando o oxigênio liberado por ela, e ela absorvendo o gás carbônico da minha respiração. Meu corpo estava captando, a partir dela, o elemento necessário ao meu processo de transformação da matéria orgânica em energia para continuar viva, e o elemento expelido neste processo estava sendo absorvido por ela para a realização de seu próprio sistema metabólico de produção de energia. Respirei fundo, estávamos conectadas. Olhei então para baixo: meus pés sentiram a areia. Cristais de quartzo, brilhantes, milenares, retrabalhados por inúmeros processos geológicos, transportados sabe-se lá de onde, quentinhos pela luz do sol, tocaram minha pele. Olhei então para as montanhas que delineavam a enseada onde eu me encontrava, e fenômenos geológicos ainda mais antigos tomaram conta da minha imaginação. Como aquela cadeia de montanhas se formou? Minha vida virou um piscar de olhos perante a vastidão daqueles processos. Minha atenção foi chamada então pelo barulho do vai-e-vem infinito das ondas: pensei em seu nascimento, no oceano aberto. A rotação da Terra e o aquecimento diferencial pelo Sol de pontos diferentes do planeta geram os ventos que, agindo na superfície do mar, vem a criar o trem de ondas que agora vejo terem sua energia dissipada na borda na grande bacia oceânica. O Sol. O Sol servindo de alimento ao sombreiro, esquentando a areia, iluminando o verde da cadeia de montanhas, gerando os ventos que geram as ondas. Penso então sobre o Sol, inundando tudo de vida e luz: o mar, com seus microorganismos assimilando sua energia e transformando toda a teia de vida que pulsa abaixo da superfície do oceano, numa miríade psicodélica de formas e cores. O Sol, uma estrela secundária, originária da explosão de uma estrela maior, cuja poeira veio a formar tudo o que posso observar naquele momento: minha pele, a atmosfera azul, as conchas, a areia, as árvores e as gaivotas. Todo e cada ser conectado. Cada átomo que meu olhar pode alcançar naquele momento pulsava, ligado a todos os outros, numa harmonia dinâmica e poética. Essa é a riqueza que ganhamos com a contemplação. Concentrar-se no que não estamos acostumados pode ser muito mais libertador do que previamente poderíamos esperar. Silenciar nossa mente para as pequenas futilidades do individual e abrir nossa mente para os processos poderosos, a torrente de informação dos processos naturais. A contemplação não exige um ambiente paradisíaco, como o citado acima. Meditar é um dos processos mais antigos do que chamo contemplação. Perceber o mundo não é necessariamente olhá-lo com olhos científicos, como mostrei acima. Muitas vezes perceber o mundo está em não focarmos em nada específico, ou apenas focarmos em nossa respiração. Afinal, cada processo e átomo estão conectados: somos fractais de energia, somos o Universo a se conhecer.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Conexões obscurecidas


“Everything under the sun is in tune
but the sun is eclipsed by the moon.”
Pink Floyd - Eclipse


A percepção de nossas ligações com a história do Universo, nosso metabolismo e os ciclos da Terra, nossa função social e nosso quadro psicológico é um exercício mental, que deveria ser levado a cabo o mais frequentemente possível. Albert Einstein não poderia estar mais certo com sua célebre frase “A imaginação é mais importante que o conhecimento”. Certas conexões, por mais factuais que sejam, estão escondidas pelo efeito sinérgico que suas conseqüências manifestam. Se olharmos cada evento ou processo apenas com uma visão do macro, perderemos as sutilezas que provocam seu surgimento e desenrolar.




Muitas vezes não dispomos do conhecimento e das ferramentas necessárias para analisar determinado fenômeno: os povos antigos, por exemplo, não possuíam o conhecimento para deduzir que as nuances climáticas que determinavam a severidade das estações de chuva e seca poderiam advir de uma oscilação na pressão atmosférica no Oceano Pacífico. O processo de origem está submerso, além da superficialidade, além do banal, além do necessário à subsistência. É preciso coragem e determinação para investigá-lo. Muitas vezes é dolorido. Muitas mentes sucumbiram à procura das conexões. Com efeito, a ignorância sobre nossa conexão com o Universo é necessária à perpetuação do sistema em que estamos inseridos. De que outra maneira, senão pela ignorância induzida, acreditaríamos que o sentido de nossas vidas reside no ato de compra, que a medida de nosso valor está no tamanho de nossa conta bancária? É um conceito precário demais para ser engolido por qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico e educação. Porém, gerações e gerações encontram-se perdidas no labirinto do entretenimento televisivo e da coerção social, ofuscadas pelas luzes do cassino e pela beleza dos modelos de beleza. COMPRE! BEBA! VISTA! SINTA! As ordens são numerosas o bastante para dissuadir qualquer pensamento próprio. E a consciência, onde fica nessa história? Inexistente... Espremida, expurgada, inválida senão pela lente das diversas instituições: sejam elas religiosas, educacionais, governamentais, etc.



Seu cérebro é o produto de um processo ininterrupto, cuja origem nosso atual sistema científico data em ~14.5 bilhões de anos. Em uma sociedade dominada pelo aroma do fatalismo, as profundas conexões do nosso ser com a totalidade do Universo são mais do que um sinal: são um chamado para reflexões sobre nossa responsabilidade perante nosso comportamento. A sociedade que agora existe, com seus dogmas e cabrestos, com suas grandes punições e culpas a respeito da sexualidade e indução à indiferença para desigualdades sociais, por exemplo, é um breve sopro na História. O esclarecimento à cerca de nossas origens, refutando a imagem criacionista e divinizadora dos seres humanos, nos impele a novos desafios e a uma imagem que transborda de responsabilidades e liberdades, novas e rejuvenescedoras. Nossa mente é a personagem principal. Nós temos poder, responsabilidade sobre ela e, principalmente, liberdade de movimento para com ela.



quarta-feira, 1 de junho de 2011

Assistindo o Rio Fluir


São tempos difíceis para aqueles que estão despertos. Despertos e conscientes da nossa íntima ligação com os processos naturais, nosso lugar no Universo, os processos que regulam nosso corpo, nossa sociedade, os ecossistemas terrestres. São tempos difíceis para aqueles que acreditam em uma vida harmônica com a Natureza, uma vida não dependente de ações degenerativas do meio em que vivemos. Eu vejo as lágrimas de povos milenares que são usurpados de suas terras, eu ouço o ranger das árvores caindo ao toque da pesada corrente, eu sinto os rios sufocarem, como se meu próprio pulmão lutasse em angústia por um pouco de pureza. São tempos difíceis. Meu olhar, por não conseguir suportar a dor da ignorância alheia, tanto daqueles que nos “governam”, quanto daqueles tristemente governados, se volta para o céu. Eu penso no Big Bang, penso na Teoria das Cordas... penso em um Universo que pulsa, penso em trilionésimos de segundos e em bilhões de anos... penso em sub-partículas e na dança das galáxias. E assim, minha consciência evade... Minha própria escala espaço-temporal é por demasiado perturbadora: faço, contra minha própria vontade, parte de um suicídio em massa. Afinal, com todos os dados científicos dos quais dispomos atualmente, que outra conseqüência pode-se esperar da dizimação do que ainda nos resta de florestas, rios, biodiversidade? É uma conta de 2+2 que parece difícil de entrar na cabeça daqueles que tem que se preocupar com seus milhões advindos da agropecuária que avança em solo amazônico, ou daqueles que querem garantir a teta profícua lá em Brasília.



Mas os processos naturais não estão nem aí se fulano quer andar de Learjet. E é assim que eu gosto de admirar o dinamismo da Terra: sob a perspectiva cósmica. E então eu vejo aqueles que votaram a favor do novo Código Florestal e aqueles que liberaram a licença para Belo Monte sendo afogados no rio do Tempo, fagocitados pelas conseqüências ambientais dos seus próprios atos gananciosos e ignorantes. Sem prejudicar em nada nossa linda esfera Azul. Pois, como diria o saudoso George Carlin: “O planeta? O planeta vai bem... as PESSOAS é que estão fudidas!” A Vida existe nesse planeta há mais de 3.5 bilhões de anos. Ela surgiu quando este ainda era uma bola de lava recém resfriada, com uma atmosfera repleta de metano e violentos bombardeios de meteoritos. E nós, quem somos? Uma espécie recente e burra – no máximo. E esse pensamento me acalma. Porque, sinceramente, diante de tanta palhaçada, a única vontade que eu tenho – como diria a letra do Dylan - é a de sentar nesse banco de areia e assistir o rio fluir.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sobre a cegueira social

Sobre a cegueira social

Tudo que existe, só existe através de nossa percepção. Schopenhauer diria que não existe uma terra, não existe um sol. Existe, sim, uma mão que toca a terra e olhos que captam a luminosidade do sol. Toda nossa noção de mundo e realidade passa através de nossa percepção.












E quando não percebemos, enquanto sociedade, certos aspectos do mundo que nos rodeia?


Microorganismos não existiam até o final do século XVII, quando Antonie van Leeuwenhoek observou os primeiros seres aos quais deu o nome de “animálculos”. Bactérias passaram a existir somente quando alguém as observou e indagou sobre a existência das mesmas. Existem outros exemplos: para muitas pessoas ao redor do mundo, em pleno século XXI, pareceria no mínimo uma grande bobagem argumentar que a Terra gira em torno do Sol e que existem muitos outros planetas, gigantes gasosos, luminosas nebulosas, buracos negros super massivos no centro de galáxias com bilhões de sóis.

Estas entidades não existem e nunca existirão para a grande maioria da população mundial. Muitas destas pessoas não chegarão a ter educação suficiente para que este conhecimento seja real, para que possa pertencer a suas realidades cotidianas. Mas, onde reside o perigo nessa história? O perigo reside justamente na falta de referenciais, sejam estes históricos, astronômicos ou biológicos, para a construção do ser social. Quando elementos importantes para uma percepção acurada da realidade estão faltando, cria-se um nicho fértil para a manipulação de massas. Com efeito, uma educação falha, superficial e estéril é a principal ferramenta de dominação através dos séculos. A supressão do registro histórico de lutas sociais, assim como a negação do aspecto biológico e evolutivo em prol da divinização de nossa espécie, tem exercido um poderoso efeito de cabresto na dinâmica de nossa sociedade. Controlar o passado (através manipulação do registro histórico e da proposital negligência no ensino da História) é quase uma garantia de salvaguardar a legitimação das estruturas de poder vigentes. Do mesmo modo, ao negar a ascendência comum de nossa espécie com todas as outras deste planeta (nós e o espinafre temos a mesma tatatatatatatatatatatatatataravó), a superioridade humana sobre o planeta toma forma. Superioridade esta absolutamente questionável, sob amplos aspectos científicos. A superioridade humana sobre os demais seres vivos da Terra só pode ser legitimada através de uma perspectiva criacionista. Entristece-me profundamente ver cientistas renomados – muitas vezes alegadamente ateus – compactuarem com práticas que promovem a utilização indigna de outros seres vivos para fins científicos.

É no mínimo uma atitude hipócrita, para não dizer grotesca. Mas, enfim, este é o ponto em que gostaria de chegar: até que ponto nossa cegueira social se alastra? Pois, para a maioria da população de baixa renda, a simples falta de educação, o excesso de trabalho e a constante exposição à programação da TV aberta é o suficiente para que os cabrestos estejam apertados e em bom funcionamento. Porém, para a pequena parcela da população exposta a uma maior fonte de informação, são necessários mais elementos para azeitar a máquina que perpetua condicionamentos baseados na ignorância. É preciso que essa informação não surta nenhum efeito sobre o cérebro de seu receptáculo. Sabemos sobre evolução, mas nos comportamos como criacionistas. Sabemos sobre o efeito nocivo dos venenos, mas estamos constantemente ingerindo-os em nossa comida. Sabemos sobre a origem social da violência, mas preferimos construir grades cada vez mais altas. Sabemos sobre as conexões do ambiente, dos ecossistemas e dos seres vivos, mas continuamos a consumir freneticamente qualquer porcaria anunciada com o glamour da televisão. Simplesmente pela pueril ilusão de que, enquanto ignorarmos que somos escravos, não seremos escravos. Enquanto ignorarmos nossa estupidez, não seremos estúpidos. Enquanto ignorarmos a mão que nos manipula, teremos algum livre-arbítrio. Pode-se supor que, enquanto nas camadas mais baixas a ignorância é simplesmente imposta, nas altas camadas da sociedade ela é vendida e comprada, barganhada como um must have cravejado de diamantes. Eu vejo a ignorância estampada nos olhos de ricos e pobres, homens e mulheres, todas as idades, credos, cores... A ignorância imposta, a ignorância comprada, a ignorância usada como uma droga necessária para o alívio de uma rotina estafante, um ópio, um gás hilariante, um sedativo forte que cobre o espelho da consciência e gera inação. A ignorância é até mesmo um fator de coesão social: aquele que sabe e questiona é excluído, muitas vezes humilhado, queimado em fogueiras inquisitivas. O dogma é a coqueluche dos grandes grupos sociais. Afinal, em terra de cegos, quem tem um olho não é rei: é herege.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Catarina e a imutável simbologia da morte

Estou mudando de apartamento. Como em qualquer mudança que já fiz, uma das partes mais interessantes é definir onde vai ficar o toca-discos e quais os quadros, gravuras e pôsteres que irão figurar nas paredes. Música, filosofia, fotografias diversas... foram diversos os símbolos que compartilharam até hoje o mesmo teto que eu. O toca-discos ainda tem lugar cativo na minha imaginação enquanto a mudança não é consumada, mas as simbologias, não mais. Afinal, o que é um símbolo, senão uma interpretação errônea e anacrônica de alguma idéia remota, que existia em um ambiente absurdamente diferente de concepções sociais? É ingenuidade tentar preservar certos valores quando o mundo grita por novas concepções, por dinamismo social. E eu acredito que o mundo clama por menos símbolos.














Os símbolos trazem consigo um conjunto pré-concebido de idéias, um pacote de pré-concepções digeridas em massa, muitas vezes dogmáticas, que levam à inércia cerebral. Levam ao acomodamento. Nossa época é única. Nossas vozes são únicas. As bandeiras e as vozes do passado inspiram, mas não podem balizar por completo nossas atitudes, pois nosso tempo é outro. Não que eu acredite ser possível viver sem símbolos, seria ingênuo do mesmo modo. Até mesmo por que, na minha concepção, o trabalho sinérgico de nossas terminações nervosas, nossa química corporal e nossas reações ao ambiente externo se dão através de símbolos. Indaguei-me então sobre um símbolo especial... a caveira.











Embora a conotação da morte seja muito diferenciada nas variadas culturas, temporal e espacialmente, a figura da caveira nos vem relembrar uma verdade tão simples quanto profunda: a nossa efemeridade. A caveira nos faz enxergar a dureza de nossa fugacidade que se esconde sob a pele macia de nosso ego. A morte que iguala a todos. Inevitável, assustadora, libertadora e admirável morte. Medo e fascínio. Aquela que coloca o contraponto a tudo que acreditamos: nosso ser. Um símbolo que não sofre modificações interpretativas com o decorrer do tempo, pois sobrepuja a todas as sociedades, modos de pensar, de viver, de se experimentar enquanto ser planetário.















Acredito que uma das mais carismáticas personagens da simbologia mexicana para o Dias dos Mortos é Catarina, uma elegante dama da sociedade que serve como lembrete de que as diferenças sociais não fazem diferença na hora da morte. Vestir o paletó de madeira sobrepõe-se a todas as espécies, aos bons, maus, infiéis, fiéis, ateus, poetas, bêbados, santos e criminosos. Felizes ou tristes, ricos ou pobres, de alma ou de bens materiais, todos somos feitos da mesma matriz de matéria e energia, e para ela voltaremos. O simples sorriso de uma caveira vem ironicamente trazer à tona aquilo que a maioria das pessoas quer tentar esquecer: que elas estão vivas, e que essa é uma chance única. É, vai ter uma caveira ao lado do meu toca-discos.






terça-feira, 22 de março de 2011

ENTRE O BIZARRO E O NORMAL... APENAS UMA ESCOLHA.

Como afirmar que aquilo em que acreditamos, aquelas verdades que balizam nosso cotidiano desde a hora em que abrimos nossos olhos de manhã, nas quais vivemos todos os dias de nossas vidas, são absolutamente REAIS? Como saber se tudo o que nos foi ensinado desde a mais tenra idade, nossos costumes, crenças, educação formal, modo de vestir, de pensar, de se relacionar, tudo o que experimentamos, julgamos saber, discutimos, toda nossa oblíqua vastidão mental não são de uma bizarrice extrema?

Este parece um exercício mental bobo, mas acredito estar longe disso. Na realidade, é um exercício que mudou completamente meu modo de enxergar diferentes culturas humanas, pois nos coloca frente a frente com a dúvida sobre o que é considerado “normal” e “justificável”. Sempre que penso nisso, a primeira imagem que me vem à cabeça é a de um bigodudo austríaco de cabelo lambido que matou milhões de pessoas na Alemanha, justificando-se por considerá-las inferiores. Vou falar a verdade, esse cara não me assusta. Pessoas loucas, sedentas por poder, existiram aos borbotões em toda a história da humanidade. O que me assusta é a imensa massa de alemães que avalizaram a loucura desse um. Milhões de pessoas compraram o que ele disse, e outros milhões calaram-se por medo de represália. Vendo fotos do enxame de alemães nos comícios de Hitler, um calafrio sobe minha espinha de fora a fora. Para aquelas pessoas, o que ele falava era REAL. Tudoestava dentro no normal, justificável e necessário (para o cidadão que não tivesse o infortúnio de ser judeu naquela época).













A propaganda, o governo, seus amigos e vizinhos, todos concordavam e alastravam o ideal nazista. Como fugir de idéia tão fortemente embutida pela sociedade? Quando penso nisso, e não só nesse trecho de nossa história, mas em tantos outros - como a escravidão e morte dos negros e dos índios, também sob a justificativa da inferioridade destes, ou então dos palestinos, ou de tantos outros povos que são perseguidos e taxados como “lixo” da humanidade geralmente como álibi para guerras em nome do poder e do lucro (desde tempos muito anteriores aos coloniais até a recente corrida armamentícia e petrolífera) - outro pensamento perturbador me invade. O que nós, cidadãos comuns, pertencentes ao nosso mundo REAL (que não consideramos bizarro), à nossa teia de normalidade, que atitudes estamos tomando, que poderiam ser consideradas como atos atrozes pelas gerações futuras?












Para nós, parece ridículo e insano considerar um negro ou um índio como seres inferiores. Nós temos o conhecimento de que somos iguais. Mas, quem são os seres “inferiores” e “sem alma” da vez, que estão sendo usados e abusados cruel e irracionalmente em ode ao deus-mercado? Agora temos os Direitos Humanos que - pelo menos hipoteticamente - deveriam proteger os de nossa espécie. Mas para alguém lucrar rios de dinheiro, alguém tem de ser explorado. Restam os não-humanos. E estes sofrem um holocausto diário: são escravizados, torturados e mortos a cada segundo, em uma seqüência de eventos que lembraria um filme de terror dos mais sanguinolentos, bem além da imaginação daquele que come um nugget com um peruzinho sorridente estampado na caixa. Mas este filme está aqui, estamos vivendo todos os dias neste mundo, compactuando e, através de nosso silêncio, enchendo de sangue nossas mãos, que lavamos com a falácia da “normalidade”. Se continuarmos calados, estaremos nos igualando às pessoas que acreditavam que as mulheres deveriam se submeter à posição de inferioridade e não ter voz em uma sociedade patriarcal, ou então aos cidadãos alemães que denunciavam vizinhos judeus com os quais conviveram anos, sem conflito. Afinal, não há diferença entre o sexismo, o racismo e o especismo. Todos brotam da ignorância e da cegueira voluntária para o fato de que todos os seres da Terra têm direito à Vida e à Liberdade, e de que da violência para com iguais e não-iguais, nunca poderá emergir a verdadeira felicidade.